Apesar de o hebraico ser o idioma oficial de Israel, até pouco tempo atrás o russo era o idioma mais falado no país. A influência russa é tão grande que até o dia de Pushkin (em homenagem ao escritor Alexander Pushkin) é comemorado no país. Não é de surpreender, então, que as sombras de Tchekov e do próprio Pushkin pairem sobre o romance Fima,  do romancista sabra Amós Oz.

Fima é o apelido de Efraim Nisan, o protagonista do romance. Ele é um tanto ingênuo para algumas coisas, e possuiu um indubitável brilhantismo para outras. Seus comentários políticos são tão agudos quanto é triste sua capacidade para tomar conta da própria vida, ou para lidar com as mulheres. Por vezes distrai-se em meio a sonhos despertos, em que é o primeiro-ministro israelense e, de modo pacífico e determinado, põe um fim aos conflitos entre palestinos e israelenses.

Apesar dessa primeira impressão, no entanto, é difícil gostar de Fima. Ele é tão brilhante – e ao mesmo tempo tão tolo – que chega a dar raiva. Oz apresenta seu protagonista como o tipo de pessoa para a qual é difícil olhar sem ser com um ressentimento ofendido, por poder ser tão bom e, no fim das contas, não tornar-se nada.

Apesar de algumas das pessoas com as quais Fima tem contato o compararem à Eugene Oneguin ou a Kafka, eu faria uma outra comparação: Azaria Guitlin, um dos protagonistas de Uma Certa Paz, também de Amós Oz. Ambos são dotados de um otimismo e uma genialidade grandes demais para evitarem ser idiotas.

É claro que a época em que o romance se passa – sendo distinta da de Uma Certa Paz – faz com que algumas diferenças profundas existam entre os dois. Enquanto que Azaria pressente a tragédia eminente (que, acaba se concretizando como a Guerra dos Seis Dias) , tentando fazer com que aqueles que o rodeiam percebam a ameaça e a enfrentem com a mesma dignidade que ele, Fima sabe que as vitórias que Israel alcançou anos antes (o romance se passa no meio dos anos oitenta) não trouxeram nada de bom para a nação, até o contrário: podem ser as sementes da ruína.

Apesar de ele ser quase desprezível e uma crise política se avizinhar, o destino de Fima é capaz de prender o leitor de forma poderosa, e é difícil não se enternecer com sua vida tragicômica – e, talvez por isso, extremamente verossímil. A culpa disso, é claro, não é apenas dos fatos – a relação complexa de Efraim com as mulheres e com seu pai, seus sonhos grandiosos e seu passado irresponsável, porém glorioso – mas,  especialmente, do talento narrativo de Oz, que torna as coisas mais grandiosas banais e, as mais banais, únicas.

Além disso o livro torna-se especialmente relevante no atual contexto, pois trata justamente do começo das ocupações dos Territórios Palestinos pelos colonos israelenses, um dos principais entraves no processo de paz entre os dois povos hoje em dia.

Fima

de Amós Oz, tradução de George Schlesinger

320 páginas

R$ 61,50

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