A Rússia foi um dos países que teve um modernismo tardio: ao contrário dos centros culturais, que consistiam da França, Inglaterra, Áustria e Alemanha, a grosso modo países como a Rússia, Polônia e Itália só foram ‘despertar’ para a arte moderna no final do século XIX, ou ainda no começo do século XX. Quando o fizeram, porém, passaram por uma espécie de movimento compensatório, com ideias e movimentos muito mais radicais em seu desprezo pela tradição e proposição da estética do novo, vide o futurismo italiano.
Entre o mar de artistas, poetas e dramaturgos com ímpetos revolucionários, alguns poucos se destacaram. Os que o fizeram, notadamente, foram aqueles que não se associaram a grupos (pelo menos não por muito tempo) ou que não se comprometeram com ideais estéticos fechados. Witkacy, com seu estilo ímpar, que conjugava um pouco de dadaísmo, um pouco de expressionismo, um pouco de futurismo e muito de coisa nenhuma, é considerado até hoje um dos maiores escritores de língua polonesa, bem como Bruno Schulz e Witold Gombrowicz.
De maneira semelhante, na Rússia uma das figuras literárias de maior destaque foi Anna Andreyevna Gorenko – que, a pedido do pai, publicou sob o pseudônimo de Anna Akhmatova. A adoção do nome Akhmatova, por si só, já é simbólica: o nome é uma russificação do sobrenome da avó de Anna, teoricamente descendente de Genghis Khan. Vale lembrar que, nos últimos dias do Império Russo – época em que ela começou a escrever- tal herança seria vista mais com desconfiança do que com interesse.
Logo, porém, sobreveio a Revolução de Outubro, e Akhmatova tornou-se persona non-grata: sua família tinha ligações com a nobreza de outrora, seu primeiro marido foi executado por ser considerado um inimigo da revolução, e as formas e temas que ela utilizava em seus poemas eram considerados subversivos. Tudo isso lhe valeu uma vida de sofrimento e perseguições, uma luta infindável contra o um sexto da superfície terrestre pelo qual Akhmatova estava cercada.
A despeito disso e de todos os poemas que foram perdidos devido às perseguições, pode-se considerar que Akhmatova venceu o regime. Ela viveu de modo humilde, tinha dificuldades para publicar, teve de fazer muitas concessões para tentar salvar seu filho, que passou 18 anos em um gulag. Seu nome, porém, está inscrito no cânon da poesia russa e, porque não, universal.
E essa inscrição é plenamente justificada. Akhmatova conseguiu, em um tempo de ruptura, dialogar com as formas e mesmo com temas clássicos sem soar anacrônica. Sua poesia tinha uma profundidade que, como Joseph Brodsky cita, ‘era inexplicável’ e ‘só pode ser atribuía à voz com que Akhmatova nasceu’.