A trilogia bananera do autor guatemalteco Miguel Angel Astúrias, iniciada com Vento forte, continua com O papa verde, livro de 1954. A figura que dá título ao livro já era conhecida do primeiro livro: o presidente da companhia Tropical Bananeira S.A., a empresa estadunidense que procurava por todos os meios estabelecer postos de controle e extração de bananas. Nesse livro, porém, o cargo de “papa verde” não pertence mais ao mesmo sujeito, mas sim a Geo Maker Thompson, cuja trajetória é crucial para compreender a história do romance e, em alguma medida, período importante da História da Guatemala e de vários países da América Latina, que chegaram a ser chamados de “repúblicas das bananas”.
Apesar de haver entre os dois livros um hiato de quatro anos, eles estão interligados por vários pontos. A ligação, contudo, não torna a leitura do primeiro indispensável (embora recomendável), os livros funcionam separadamente.
A trama de O papa verde é mais complexa que a de vento Forte, mais personagens estão em cena e a percepção das ligações entre eles é fundamental para compreender o surpreendente desfecho do livro. Nesse ponto a literatura segue os rumos da História, pois se a situação de exploração e de tentativas de submissão econômica se apresentam já no primeiro livro, no segundo elas se intensificam e passam a ser disputadas palmo a palmo por outra multinacional que quer se estabelecer no território guatemalteco.
Geo Maker Thompson, o papa verde, se retira de cena durante boa parte da história e deixa o terreno livre para que outras empresas se digladiem em torno de maiores e melhores condições de exploração. Enquanto isso, as populações locais continuam se organizando, mas enfrentam uma oposição e repressão cada vez mais sistemáticas das empresas, que se valem de seu poderio econômico para subornar governantes, abafar manifestações, manipular mecanismos de administração estatal e orientar as deliberações públicas para satisfazer seus próprios interesses.
A aliança do capital estrangeiro com elites nativas foi uma das constantes do avanço imperialista estadunidense sobre a América Latina, de modo que muitas lutas populares (que pulularam por todo o continente) tinham suas bandeiras afastadas de perspectivas nacionalistas (conquanto nem sempre), visto que muitas vezes viam-se exploradas por seus próprios compatriotas. O “recorte” de classe tipicamente capitalista mantinha-se agudamente vivo ao lado da dialética nacional-estrangeiro.
O arsenal histórico incrustado na cultura popular guatemalteca serve de lastro para estruturar as disputas. É por isso que figuras como Chipo Chipó, um herói popular, ganham relevância, se tornando referências de luta e de resistência. Mayari, a noiva que resolve se casar com o rio se atirando nele é outra dessas personalidades que passam a ser uma espécie de catalisador de anseios e de trajetórias de vida que, por mais distintas que aparentem ser, encontram o denominador comum na condição de oprimidos e despossuídos.
As tentativas de estabelecimento de cooperativas, conduzidas pelo grupo de Lester Mead e Cojubul ao longo do primeiro livro da trilogia, que haviam sido arrasadas pelo vendaval, são encontradas em forma de espólio em O papa verde. A disputa em torno do testamento do grupo é um dos pontos altos do livro, pois o domínio dessas terras pode conferir a vantagem determinante a qualquer um dos grupos que disputa a supremacia, inclusive os possíveis herdeiros locais, que podem optar por tentar levar a cabo os objetivos do grupo original.
Astúrias construiu uma trama que lida com inúmeros signos em rotação no que tange a esse período negro da História latino-americana. Sem cair em maniqueísmos por demais sintéticos, o autor reserva o espaço para que diversos personagens passem por suas páginas e revelem a complexidade desse processo, que não se limita a somente dois interesses ou a duas forças opostas, mas sim a todo um contexto de investidas, avanços e retrocessos de ambas as partes envolvidas.
Se por um lado temos as populações nativas pegando em armas e se organizando em torno de sua sede de justiça, por outro temos os governantes locais subvencionados ao avanço do capital estrangeiro, e junto a isso há também o “mundo das finanças”, a classe média local e os interesses dos investidores estrangeiros. Astúrias lida com isso sem deixar-se prender nem somente pelo realismo nem somente pelo elemento maravilhoso.
A reverência do autor pela cultura popular e sua simpatia pela luta por justiça e terra se manifesta em diversos momentos do livro, mas não é ela exagerada a ponto de esquecer o quão ameaçados estão esses grupos, nem ao ponto de achar que cantar loas a riqueza cultural é suficiente para encontrar saídas para o conflito.