Por um pequeno momento na vida, pode ter sido único ou ter-se repetido inúmeras vezes, uma pessoa se sente só. Se sente consumida pela solidão, como se uma inércia a puxasse para longe mesmo nos lugares mais lotados – cercada por diversas outras pessoas -, ou seja, há um isolamento quase natural. Dessa forma é como podemos ver uma das três personagens principais do romance Minha querida Sputnik, de Haruki Murakami, lançado pela Alfaguara e com tradução de Ana Luiza Dantes Borges, chamada Sumire.

Sumire é uma jovem introspectiva, leitora assídua de diversos romances, se veste como uma beatnik e pretende ser uma grande escritora, mesmo com a tenra idade de 22 anos, após largar a faculdade acreditando que os compromissos com os estudos atrasam sua carreira imediata. O único amigo dela é K., um jovem professor do primário e principal narrador, que a ajuda a solucionar questões existenciais durante a madrugada e alimenta estudos e divagações sobre livros em seus breves encontros. Ele nutre uma paixão por Sumire, mas ela não tem olhos, corpo e tampouco tesão para o amor.

Por nunca ter se apaixonado, Sumire, em primeira instância, surge quase como uma paciente típica de Asperger: não consegue se relacionar ou ter empatia pelas pessoas mais próximas. A força de seus questionamentos é o que a move pelo mundo e a faz escrever durante noites inteiras. Quando conhece Miu, uma empresária de beleza indescritível e inebriante, Sumire se vê apaixonada pela primeira vez – muito provável que, além da estética, a confusão feita pela empresária entre Sputnik (primeiro satélite lançado pelo homem) e Beatnik (o que muito lembra o Kurt Cobain e Kirk O’Bane de Um Grande Garoto, de Nick Hornby) tenha conquistado a garota. Por causa desse trocadilho começam as análises mais interessantes do narrador (K.) sobre como os satélites pairam em órbita com a Terra, mas sem nunca tocá-la, uma espécie de solidão contempladora – observar o amado sem nunca chegar perto.

Levando em conta essa interpretação, muitos dos símbolos usados por Murakami (e até sua explicação, dentro da história, sobre símbolo e signo) neste romance fazem muito mais sentido, a solidão aqui tem muitas faces a serem descobertas. Em umas ela pode dividir e mudar a pessoa para sempre, em outras o personagem pode se perder dentro de sua própria mente ou, em um dos casos mais extremos, lhe devorar vivo. Por mais que o tema seja esse invariavelmente, Minha querida Sputnik reserva passagens belíssimas sobre a descrição do amor, de sentimentos inomináveis e até de uma ereção – sem esquecer das citações musicais típicas das obras do escritor (incluindo aqui o significado de Sumire).

É preciso pontuar que outro traço, presente em outros de seus livros que li, é ter outro narrador e outra narrativa – paralela ou não -, separada em dois capítulos, que ajudam a engrandecer mais ainda o mistério apresentado na metade da história. Todavia, o grande feito dessa obra é a transformação de cada personagem e suas visões sobre amor e solidão, cada um se desconstrói e se molda de outra forma, K. de uma maneira sucinta, Sumire radicalmente, mas superficialmente também e o deslocamento que essas metamorfoses trazem para suas vidas através de seus inconscientes coletivos.

Haruki Murakami tem uma narrativa pulsante e viciante, quando se começa a ler existe o envolvimento com os personagens e com os momentos surreais e viscerais que ele proporciona, o que o torna um dos maiores e melhores autores da atualidade, e essa obra é só mais uma prova.