Ainda não dediquei tempo à leitura da fortuna crítica a respeito do escritor japonês Haruki Murakami, mas aposto – com um bom grau de certeza, penso – que suas novelas devem ser divididas em alguns tipos. Os dois principais seriam as obras mais puramente melancólicas, como Norwegian Wood, Após o anoitecer e Ao sul da fronteira e a oeste do Sol. Em contraponto, obras mais oníricas, com um grau de estranheza exacerbado, em que entram livros como Kafka à beira-mar e Caçando carneiros.
Esse último, aliás, é um dos livros mais estranhos que tive a oportunidade de ler. Começa apresentando o protagonista que, como quase todos os personagens, exceto um gato que recebe já idoso o nome de Sardinha, não tem nome. É um jovem publicitário, relativamente bem-sucedido. É recém-divorciado e acaba de começar um relacionamento com a garota que tem as mais belas orelhas do mundo e que trabalha como revisora e garota-de-programa, além, obviamente, de ser modelo de orelhas.
Depois de utilizar, em uma revista promocional de uma seguradora, uma foto que um amigo lhe mandara, começa um longo ciclo de acontecimentos bizarros: ele é chamado por um figurão de uma misteriosa organização que, aparentemente, tem controlado o destino do Japão desde a Segunda Guerra Mundial. O homem lhe ordena que encontre um estranho carneiro presente na foto, que possui uma marca em forma de estrela no dorso e que não pertence a nenhuma raça de ovinos existente, sob a pena de ter sua vida arrasada pela organização. Assim acaba embarcando em uma bizarra jornada a uma vila esquecida nos confins do Japão, e envolvendo-se com coisas que estão muito além de sua compreensão.
Mas a estranheza não para na história. O modo como a obra está escrita contribui para essa sensação um tanto incômoda – sentimento que só é superado pelo quanto o livro é envolvente. Isso não significa que Murakami lance mão de experimentos formais. Existe, no entanto, qualquer coisa de perturbadora nas frases breves e objetivas, que falam sobre coisas nem um pouco breves ou objetivas.
É claro que as referências à cultura pop não poderiam faltar. Inúmeras citações a bandas e músicas de jazz, rock e blues existem nas páginas – provavelmente muito mais do que eu consegui detectar – além de menções a uma infinidade de escritores, como Conrado, Melville e Hemingway. Mais do que na maioria das obras de Murakami, fala-se de peculiaridades da geografia e da história japonesa, de modo que por mais ocidentalizados que os personagens pareçam, se torne difícil imaginar a história em qualquer outro canto do mundo.
Pessoalmente, tenho Murakami como um de meus escritores favoritos. E agora esse é um de meus livros favoritos do autor. É certo que a aura de estranheza é enorme, e que muita coisa acaba inexplicada – o que pode decepcionar aqueles que gostam de finais redondos. Mas nem a mimese e nem a racionalização parecem ser metas em Caçando carneiros; ao contrário, é a sua irrealidade injustificada que lhe empresta potência.
Esse é o terceiro livro da “Trilogia do Rato”, segundo a Wikipedia, que é sucedido por Dance dance dance (tá, quem conhece Douglas Adams sabe que trilogias com três livros, assim como a heroína, são tão passé…). Eu tenho vontade de ler esse livro, assim como tudo do Murakami, mas queria muito que tivesse em português os dois primeiros livros dessa trilogia. Acho que li em uma entrevista que ele não gostava muito destes e que estava agradecido por estarem esgotados (acho que isso foi antes de os reimprimirem).
Até agora, só li Murakami na segunda vertente, de “obras mais oníricas, com um grau de estranheza exacerbado”: acho que Minha querida Sputnik entra nessa categoria, junto com o Kafka à beira-mar.
Tinha lido que o Sr. X. achou o livro “descartável” (http://rascunho.gazetadopovo.com.br/inquerito_141/). Daí fiquei curioso para ler a tua resenha. Valeu: continuo querendo ler o livro.
Dance Dance Dance dizem que é fabuloso também! Vai escrever tanto livro bom lá no Japão…
Arthur, eu li um dos livros que seriam antecedentes ao “Caçando carneiros” e digo que não há nada nele que seja fundamental para o entendimento do romance, o que não acontece com “Dance dance dance”, onde é preciso ter lido o “Caçando carneiros”.
De fato, Murakami considera “Caçando carneiros” como o seu primeiro romance. Ele meio que deserdou os dois que vieram antes, e não permite que sejam publicados fora do Japão (as traduções existentes são para uso acadêmico no Japão). “Dance dance dance” é uma espécie de “Caçando carneiros” com anabolizantes.
Essa coisa do Xerxenesky eu li também. Aliás, no dia que fui à biblioteca da reitoria e peguei o Caçando Carneiros, eu passei em algum café no caminho e peguei a tal edição da rascunho, na qual ele falava isso sobre o livro.
E dá pra conseguir os dois primeiros (Hear the wind sing e Pinball, 1973) pelo abebooks, na edição inglesa – que como o Wilson falou, saíram só numa versão ‘acadêmica’, pela editora Kodansha, em formato A6 – mas fica um pouco caro. Eu andei olhado aqui, a média de preço parece ser 40 dólares.
Luciano, meu aniversário tá chegando. Me dá esse de presente que não acho em lugar algum?
Difícil quando o livro não é reeditado, né? Esse e o Dance dance dance eu só vi na biblioteca da reitoria da UFPR mesmo.
Pois é, o que eu li é justamente da biblioteca da UFPR, Pips. Infelizmente eu acho errado roubar bibliotecas, se não já era seu!