Nosso país nunca me pareceu um campo exatamente bom para a poesia. Eu tinha uma visão de que existiam alguns poetas canônicos – muito bons, é verdade, mas que não me satisfazem e me significam menos do que eu gostaria – e nada mais. Felizmente, de uns tempos pra cá, eu tenho descoberto que isso é mentira. Não só existe uma pluralidade muito maior das vozes poéticas brasileiras, como várias delas são capazes de tocar, em mim, cordas que o nosso cânone não consegue – mas que poetas de outras nacionalidades conseguiam.

Andei falando de alguns deles aqui no Meia Palavra nos últimos tempos, como Roberto Piva e Fabiano Calixto. Existem outros ainda sobre os quais não falei – e quem sabe no futuro fale. Mas, por hora, fiquemos com a primeira poeta mulher brasileira (não gosto da palavra poetisa, quem sabe um dia escrevo a respeito da minha visão sobre questões de gênero e literatura, aí eu explico isso direito) que me prendeu a atenção (não que qualquer dessas coisas sejam realmente relevantes, ver o parênteses anterior – tenho uma relação igualmente complexa com nacionalidades): Ana Cristina Cesar.

Carioca nascida em 1952, era a única garota entre três filhos de uma família protestante de classe média. Reza a lenda que aos seis anos – ainda antes de ser alfabetizada – já ditava poemas para que a mãe datilografasse. Aos 17 anos fez um intercâmbio em Londres, onde teve contato com a literatura de língua inglesa. Regressando ao Brasil cursaria letras inglesas na PUC do Rio.

Depois disso começaria a publicar alguns textos em prosa poética,  influenciada por nomes como Emily Dickinson, Sylvia Plath e Katherine Mansfield. Faria um mestrado em comunicação na UFRJ e um em tradução literária na Universidade de Essex, na Inglaterra. Aos 31 anos, com três livros de poesia publicados, suicidou-se, pulando da janela do apartamento dos pais.

Seus dois primeiros livros, Cenas de Abril e Correspondência incompleta, foram publicados de forma independente. Ainda em vida publicou também Luvas de Pelica logo que voltou de seu mestrado inglês. Além de um volume de crítica, Literatura não é documento, todo o resto de sua obra encontra-se espalhado em revistas, coletâneas e jornais e/ou foi publicado de maneira póstuma.

Sua literatura se situa na tênue linha entre o ficcional e o autobiográfico, pelo menos do modo como essas duas coisas são tradicionalmente entendidas (e colocadas em oposição). Especialmente quando a pensamos a posteriori, é difícil não enxergar coisas que podem-se relacionar com sua vida e, quiçá, com seu suicídio. Mas qualquer certeza a esse respeito é ilusória.

Grande parte das coisas que li de Ana Cristina Cesar trata-se de prosa poética. Uma prosa bastante sutil, fluída. Grande parte das vezes os poemas assemelham-se à cartas, em outras são conversas ou mesmo solilóquios. Mas isso não faz com que um sentimento doloroso esteja ausente. É como se algo faltasse e a poeta não soubesse o que. É justamente na direção dessa busca que seus versos caminham.

Acontece que essa coisa, esse pathos incógnito nunca é encontrado. E existe uma dolorosa consciência disso, sendo que imagens e, em algumas vezes, as frases são cortadas no meio.

Quiçá, como a vida da própria Ana. Quiçá como a vida de todos nós.