Alguns anos atrás eu andei alimentando pensamentos a respeito da aliyah: o retorno a Israel. É o mecanismo pelo qual, com base no Hok Ha-Shvut, os judeus e seus descendentes, do mundo todo, podem obter a cidadania israelense e viver no país como se tivessem nascido lá. As universidades e outras instituições acadêmicas de lá muito me interessavam, bem como os kibutz.

Porém, acabei desistindo. Não tanto pelas necessidades de conversão a um judaísmo ortodoxo ou conservador – que já me atrapalhariam, levando em conta o fato de eu não viver tão de acordo com as leis religiosas – , mas especialmente pela política de Israel para com os palestinos: a ocupação de territórios que, por direito, pertencem aos palestinos; as estratégias colonizadoras, que nada mais visam do que estabelecer uma maioria étnica judaica nesses mesmos territórios para, subsequentemente, incorporá-los ao estado de Israel; e, mais recentemente, a questão do muro.

Questão complicada. É apresentada pelo governo israelense como uma tática de defesa, que dificultaria o acesso de terroristas árabes ao seu território e, assim, diminuiria a frequência de atentados suicidas. Para outros, no entanto, é o primeiro passo para a criação de um apartheid no Oriente Médio, separando judeus e palestinos.

É justamente sobre esse muro que o jornalista francês René Backmann fala em seu livro Um muro na Palestina, recém-publicado no Brasil pela editora Record. Ele não trata o assunto de modo literário, a obra é, na verdade, uma grande reportagem – fruto de intenso trabalho de pesquisa, entrevistas e visitas aos dois lados da barreira.

Ele começa mostrando como a vida dos palestinos foi alterada, mesmo dentro de Jerusalém: o muro passa dentro do perímetro urbano da cidade (respeitando alguns limites, é verdade, mas sempre favorecendo o lado israelense), e as dificuldades para atravessá-lo acaba com negócios e separa famílias. Muitos donos de lojas e hotéis foram levados à falência por não terem mais seus habituais clientes judeus e estrangeiros. Mesmo aqueles comerciantes que vendiam principalmente para quem ficou “do lado árabe” perderam o acesso a muitos de seus fornecedores, ou então seus clientes não conseguem mais trabalhar – ficando sem dinheiro para comprar nas lojas.

Citando o que alguns dos idealizadores e defensores mais ferrenhos da separação lhe disseram, ele explana o trajeto e os objetivos do muro. Por motivos de defesa, para garantir a segurança dos judeus dentro do território nacional, mas também para proteger os colonos que vivem em comunidades implantadas na Cisjordânia.

Contrapõe isso com depoimentos de estudiosos árabes e, também, de ativistas judeus: a linha é arbitrária, desrespeitando todos os tratados internacionais vigentes até o momento de sua construção. Serve, de fato, para anexar territórios: 10% da Cisjordânia fica do lado israelense da barreira.

Backmann faz um retrato – que me parece bastante apurado, apesar de nunca se poder ter certeza disso –  da eficiência e frieza dos governantes e militares israelenses. Tendo seus objetivos de anexação em vista, não hesitam em destruir casas e lavouras, em deixar aldeias inteiras de palestinos isoladas de suas poucas terras viáveis para a agricultura.

A barreira acaba, também, com antigos laços de amizade entre judeus e palestinos: o kibutz Metzer, por exemplo, vivia de forma bastante amistosa com as comunidades árabes vizinhas – as crianças israelenses e palestinas visitavam-se, bombeiros e médicos de uma localidade atendiam a outra, auxiliavam-se mutuamente nas colheitas. Com a barreira, foram separados – contra a vontade até mesmo dos kibutzim – e tudo isso acabou.

Não se trata de uma obra imparcial: isso seria impossível. Backmann obviamente se sensibiliza com a situação palestina, exibindo a falta de humanidade que os idealizadores dessa separação demonstram, apontando o quanto isso lhe parece prejudicial para o processo de paz na região. Mas ele mostra, também, os israelenses que se levantam contra a barbárie impetrada pelo estado, que lutam pelos e ao lado dos palestinos para impedir que isso prossiga.

Um livro que lança, de maneira séria e precisa, uma luz sobre um dos aspectos mais negligenciados de um dos conflitos mais longos e mais presentes na contemporaneidade. Eu diria que, em relevância, se compara aos quadrinhos jornalísticos de Joe Sacco a respeito da região ou ao polêmico poema de Günter Grass a respeito do programa nuclear israelense.

 

Um muro na palestina

de René Backmann,

tradução de Clóvis Marques.

252 páginas

R$ 39,90

Saiba mais sobre essa e outras obras no site do Grupo Editorial Record