Hoje, 1º de abril, somos lembrados dos 50 anos do Golpe de 1964. Digo que “somos lembrados” porque, infelizmente, a maioria não pensa nesse dia desse modo com facilidade. É engraçado perceber como desde a escola parece que somos estimulados a associar a data ao Dia da Mentira – que também tem seu fundo cultural, por incrível que pareça – e não à tomada de poder pelos militares no Brasil. Esse fato, assim como outros, mostra como ainda não sabemos lidar bem com essa parte da história nacional. A Lei da Anistia por anos estimula indiretamente o esquecimento dos responsáveis pelas atrocidades cometidas durante a ditadura, sem falar no próprio constrangimento da maior parte dos veículos de imprensa diante do assunto (afinal boa parte dos empresários do ramo apoiou o golpe). Como podemos fazer com que uma criança entenda, por exemplo, o peso do 1º de abril?

Essa criança também não tem muita noção dessa data como parte da história dos brasileiros. Resta-nos tentar lhe dar noção do percurso da ditadura a partir de 1964. Recentemente, o UOL Educação, site conhecido por divulgar notícias sobre a área educacional bem como instrumentos para reflexão para o aluno e o professor, tentou elaborar um meio para que alguém, de forma lúdica, tome conhecimento da história desse período. A opção dada foi um jogo interativo chamado “50 anos do Golpe”. Acredito que uma criança não se interessaria muito por esse jogo em especial, mas ele demonstra como ainda não sabemos lidar com a questão sem sermos levianos.

É um jogo, eu diria, realista. De verdade. O objetivo é ver se você como a personagem Jorge, funcionário público de 25 anos, casado, morador do Rio de Janeiro, consegue viver até o fim da ditadura militar. Talvez seja a primeira vez que nós, brasileiros, pensamos em fazer um jogo que trate de um período histórico conflituoso, de uma quase guerra civil. Europeus, por exemplo, com certeza já tiveram que lidar emocionalmente com jogos mil criados a partir da Segunda Guerra Mundial. É um assunto delicado para eles que, no caso de alguns países, como Alemanha e França, ainda não é de fácil abordagem.

Apesar dessa dificuldade, jogos baseados em guerras geralmente se concentram em conflitos internacionais. Você escolhe ser um exército ou um soldado de alguma das nações envolvidas e pronto. O fundo histórico, nesse caso, é abstraído. Isso seria difícil de acontecer se criassem um jogo em que um judeu, um homossexual ou um comunista deve tentar sobreviver na Alemanha Nazista até o final da guerra. Infelizmente por aqui, com o UOL Educação, se pensou em fazer isso nesse esquema com a ditadura militar.

Por que se pensar em um jogo em que se deve sobreviver a uma ditadura até o final, sendo que ela não é hipotética, mas sim uma realidade? Na nossa atualidade, por não existir uma real reconquista de poder pelo povo no imaginário do cidadão, o brasileiro não pode lidar com esse jogo imaginando que vencerá a ditadura militar. Como sabemos pela história, infelizmente, aqueles que tentaram se sobrepor ao regime de forma incisiva em sua maioria morreram, foram torturados ou se adequaram ao regime depois. Trata-se de uma questão de sobreviver ou não. No jogo do UOL Educação, só se vive até a queda dos militares se a personagem assume o discurso vigente (portanto não luta contra ele) ou se abdica da luta pela democracia por vezes, ou seja, se se mantém uma posição contrária sem fazer muita coisa a respeito, o que leva à passividade que aprova a atividade, ou seja, tudo aquele que quem tem ação faz (no caso, os militares).

Nesses momentos, é bom lembrar que temos uma data para o golpe, o 1º de abril, mas não uma data para a tomada de poder pela população, ou ainda para a queda dos militares. Em outros países que passaram por regimes totalitários no século XX, geralmente se tem em mente a data da queda do governo por uma revolução ou algo parecido, como no caso da Revolução dos Cravos (25 de abril de 1974), em Portugal. Exalta-se o fato de o povo ter derrubado um líder e supostamente ter assumido as rédeas do país. No caso português, hoje em dia se questiona se realmente houve uma revolução. No nosso caso, nunca usamos o termo “revolução” para se referir ao fim do regime militar, muito menos pensamos em uma data para a saída dos militares do poder. O mais próximo disso é o movimento das Diretas Já (1983-1984), que, ainda assim, também não foi responsável pelo fim imediato da ditadura.

O 1º de abril, então, resta como data de começo de algo que aparentemente acabou sem se saber muito bem como. Nesse contexto, um jogo como o do UOL Educação é criado com base em dois fatos: ele abstrai a imagem das Diretas Já como responsável pela queda do regime – decisão válida na minha opinião – e mostra que, infelizmente, aqueles que apoiaram os militares ou apenas desistiram de lutar contra eles compõem a maioria dos sobreviventes. O problema é que, apesar da fidelidade à história, ficamos descontentes com o jogo. Por quê? Ele demonstra que se aquela criança hipotética o jogasse, entenderia imediatamente que para vencer, é preciso desistir de si, perder. Nestes 50 anos do Golpe, vale a pena pensar se realmente vencemos a ditadura ou se ela nos venceu.