O grande Gatsby foi (e ainda é, em certos aspectos) uma esfinge para mim. Li-o pela primeira vez no ano passado, procurando não só degustar a história (esperando um bocado do livro, até mesmo pela propaganda que já me tinham feito dele) como também entender porque o livro é considerado um clássico (um procedimento/mania que tenho).
Ao final da primeira leitura fiquei me perguntando sobre o porque do status de clássico, e a questão foi martelando na minha cabeça, de modo que busquei ler ao menos mais uma obra de Fitzgerald, Suave é a noite, que, embora tenha gostado, ainda permaneci um tanto cético, em relação a ambos os livros.
Buscando desvanecer essa dúvida que permaneceu, voltei a pegar O grande Gatsby esse ano, e os resultados da leitura foram bem diversos do que da primeira vez.
O livro foi publicado em 1925, e é contado através da narração em primeira pessoa de Nick Carraway, um negociador de títulos que procura fazer fortuna na bonança econômica pré-crise de 29. Nick é amigo do casal Tom e Daisy Buchanan, cuja oscilante relação esconde problemas bem mais profundos; e vizinho do misterioso Gatsby, anfitrião de nababescas festas em sua faraônica mansão.
O início do livro me pareceu uma história de futilidades da high society, quase um rococó de magnatas dos dourados anos 20. A visita de Nick a casa dos Buchanans dá essa impressão. Porém, conforme a teia de relações entre os personagens vai ficando mais e mais complexa, o livro vai desenvolvendo um conflito cuja peça central é Gatsby e sua persona nebulosa.
Nick começa a freqüentar as festas na mansão de Gatsby e passa a conhecê-lo melhor, descobrindo que antes do misterioso homem ir para a Grande Guerra, havia amado muito uma mulher, que agora estava casada com Tom Buchanan. Nick é o elo de ligação entre os dois, ele é a chance que os dois têm de se encontrarem para resolverem sua situação.
O passado misterioso de Gatsby faz as inúmeras pessoas que freqüentam suas suntuosas festas soltarem boatos de que ele é sobrinho do Kaiser Guilherme, um espião alemão, um assassino foragido etc., criando uma bruma misteriosa ao redor do passado bruxuleante de Gatsby ao mesmo tempo em que o celebrizavam.
Jay Gatsby lembra Richard Blane, de Casablanca; e Daisy, Ilsa Laszlo. Quem sabe não lhe serviram de inspiração? (tanto Richard quanto Gatsby são evasivos e reservados em suas respostas e não bebem), enfim, quando o romance entre os dois volta a se acender, começam os problemas, pois Tom, embora tenha uma amante, a fogosa Myrtle Wilson, não está disposto a desistir de sua mulher. E Nick permanece enredado no meio dessa intrincada trama.
O livro não tem esse título à toa, Jay Gatsby é de longe o melhor personagem da história, ele tem uma personalidade magnética (não a toa que o Holden Caufield “se esbalde” com ele), uma luxuosa mansão, conhece muitas pessoas, é veterano condecorado de guerra, tem grandes privilégios junto a vários conhecidos seus, e vive a vida hedonista de sonhos de um magnata. Porém, seu passado obscuro, aliado a paixão mal resolvida por Daisy lhe toldam as facilidades da vida rica e o atormentam, deixando-o angustiado.
Fitzgerald construiu um panorama dos anos 20, a “idade de ouro” estadunidense do pós-guerra, onde o centro de poder mundial não era mais a Europa e sim os Estados Unidos da América, que vivia as glórias e os benefícios da riqueza, aproveitando tudo o que a riqueza lhes permitisse antes que a Grande Depressão os fizesse acordar desse elegante mundo quase onírico.
Em salões suntuosos e bailes festivos, regados a whisky e animados por jazzes e foxtrotes, Fitzgerald retratou a “Belle Époque americana”, em que as cicatrizes da guerra estavam presentes ao lado da euforia dos lucros e da abastança.
A prosperidade econômica é contraposta ao materialismo e a busca desenfreada por dinheiro e luxo. A meu ver o livro é uma sutil crítica a essa corrupção pelo dinheiro, que oscila entre a celebração e gozo das benesses financeiras e a fugacidade com que essa realidade desmorona perante a superficialidade e a pseudo-segurança do dinheiro.
O mistério que envolve Gatsby deixa algumas sugestões no ar: estaria ele metido no mercado negro do álcool, sendo daí que sua fortuna provinha? A Lei Seca de 1920, as acusações de Tom Buchanan, o mistério envolvendo o passado de Gatsby (que, aliás, tinha mudado seu sobrenome de Gatz para Gatsby), enfim, Fitzgerald construiu uma obra para deleitar e fazer pensar, tão misteriosa e magnética quanto Gatsby.
Acho que ele deixa muito em evidência o vazio dominante na vida desses personagens… Tanto em “Suave é a Noite” como em “O Grande Gatsby”. Mostra a vida confortável em que se tem tudo, mas, como vc disse, “essa realidade desmorona perante a superficialidade e a pseudo-segurança do dinheiro”. Como se as pessoas não soubessem mais para onde ir, como se tudo fosse um tédio e não houvesse mais o que buscar além daquilo. Por isso que a gente tem essa sensação de não encontrar o que Fitzgerald quer dizer no final, porque é uma grande vazio o que ele quer mostrar. Acredito que o Filme “Revolutionary Road”, com Leonardo de Caprio e kate Winslet,também tem um pouco disso – um casal consegue tudo que deseja, uma vida invejável, filhos etc, mas só sentem o vazio e a insatisfação…