Os erros do passado estão fadados a serem repetidos? A raiva, o ódio e a irracionalidade daquilo que um homem comete serão retomados por seus filhos, mesmo que nesse homem exista agora profundo remorso por tais coisas?

Essas são as questões centrais de Passos de Caranguejo, novela do escritor e gravurista alemão Günter Grass- que recebeu o Nobel de Literatura em 1998 e é considerado o ‘guardião da consciência histórica alemã’ e, mais tarde, causou polêmica com sua autobiografia Nas Peles da Cebola, ao revelar que , quando jovem, fez parte das tropas de elite nazistas, as SS.

Em Passos de Caranguejo o protagonista é um pai sem nome, mas cheio de arrependimento. Ele reconstrói, paralelamente, três histórias: a do oficial Wilhelm Gustloff, membro do exército alemão que foi assassinado por um estudante de medicina judeu chamado David Frankfurter; a de um navio homônimo com o oficial morto que, de navio de guerra passou a navio civil e acabou sendo afundado pelos soviéticos no Báltico; e a de seu filho, jovem neonazista que, conhecendo um jovem judeu pela internet, combina de recriar a história de Gustloff tendo, porém, o resultado oposto- como se o mártir nazista fosse vingado, corrigindo a história.

As três histórias são ricas em detalhes- como é, na verdade, típico da obra de Grass- mas entrelaçam-se de forma harmoniosa, quase musical. Soa mais do que natural para o leitor o modo como se passa de um assunto a outro ou, ainda, às elucubrações do narrador.

É interessante lembrar que tanto a história de Wilhelm Gustloff e David Frankefurter e a do navio são reais. Parece-me, aliás, que são bastante exatas. Isso, na verdade, é o mais assustador: Gustloff não emprestou seu nome apenas ao navio, mas também à uma ponte e à ‘Casa Gustloff’, em Curitiba (eu não descobri do que ela se trata, apenas que realmente existe). O afundamento do navio- que levava refugiados alemães, fugindo das tropas do exército vermelho- foi o pior desastre marítimo da história, pior até mesmo que o Titanic, porém acabou esquecido.

Grass questiona tudo isso. Frakfurter ou Gustloff, algum dos dois foi, verdadeiramente, vítima ou herói? Por quê, se foram civis que morreram, o desastre do Gustloff ainda é ignorado na história dos desastres? E, por quê, surge na juventude- não só alemã, mas de todo lugar- esse fascínio pelo lado obscuro e cruel daquilo que seus antepassados fizeram?

Obviamente nenhuma resposta concreta é oferecida. O pai do rapaz que vinga o oficial nazista só consegue, em sua perplexidade, arrepender-se e questionar-se.

COMENTE ESSE ARTIGO NO FÓRUM MEIA PALAVRA