por Caetano Waldrigues Galindo

Dúvida? Então confere aí:

1. Quem é James Joyce?
– O maior escritor depois de Shakespeare.

2. Quem foi que disse?
– Eu. Mais um monte de gente. E até o Bloom, aquele, o Harold, o bardólatra.

3. “Depois” tipo que veio depois ou em segundo lugar?
– Pro Bloom as duas coisas. Pra mim só a primeira.

4. E esse neguinho escreveu o quê?
– O Joyce?

5. Dãh…
– Tá. Ele publicou dois livros de poemas, os dois já traduzidos do Brasil (Música de Câmara e Pomas um tostão cada)

6. Como é que é esses títulos aí?
– Música de câmara, para ele, seria um trocadilho. Com a ideia da música para um grupo pequeno de instrumentistas, intimista, e com o barulho do xixi de uma mulher no penico (chamber pot) que ele adorava. O outro tem outro trocadilho, entre Poems (poemas) e Pomes (pomos… frutos).

7. Então é poesia engraçadinha?
– Longe disso. Muito Verlaine na veia. Meio simbolista. Pequenas joinhas muito bem cuidadinhas.

8. Ok. E?
– Certo. Ele escreveu duas peças de teatro. Uma (My Brilliant Carreer) se perdeu. A outra (Exiles, publicada no Brasil como Exilados, embora eu prefira “Exílios”) saiu logo antes do Ulysses, e é meio que um estudo. Ele queria ver até onde podia ir com o tema do corno consentido.

9. É legal?
– É. Não teve muito sucesso. Mas o Harold Pinter dirigiu uma montagem nos anos 70 que foi bem de crítica.

10…
– Continuo?

11. Manda ver.
– Ainda nessa de deixar pro fim as coisas mais importantes. Ele deixou uma pilha de textos críticos e de poesia solta. Um pouco desses textos acabou de sair no Brasil, no volume De Santos e Sábios. Depois da morte dele, publicaram uma estranhíssima novelinha poética chamada Giácomo Joyce, autobiográfica e muito diferente, que já foi traduzida duas vezes no Brasil e costuma servir, pelo tamanho, como porta de entrada para os leitores. Ainda depois da morte, publicaram o Stephen Hero (que vai sair tipo semana que vem, pela Hedra, como Stephen Herói), que é o fragmento restante de um imenso romance autobiográfico que ele aparentemente tentou destruir.

12. E esse é o cara que tem fama de ter escrito pouco?
– Procê ver.

13. E agora o mignon?
– Isso. A prosa de ficção, madura, digamos assim. Com ênfase no “digamos assim”.

14. Por quê?
– Porque parece que ele nasceu maduro. Ele começou a publicar contos incríveis com 19 anos. Aí, depois de nove anos de tentativas e DEZOITO rejeições de editores, ele publicou Dublinenses, em 1914. Um livro de contos maravilhoso. Tremendamente influente, que já teve duas traduções no Brasil, uma delas totalmente revista pelo tradutor e relançada, também pela Hedra, agora em junho. Fundamental. Eu gosto de lembrar que Nabokov, quando dava aula em Princeton, dava notas aos contos que analisava. Pro último conto desse livro ele dava A++.

15. Uuh..
– Aí veio Um retrato do artista quando jovem, que nada mais é que a versão “destilada” daquele calhamaço autobiográfico. Só que no que deve ter sido um dos gestos mais corajosos da história da literatura, ele jogou mil páginas fora, e tirou menos de duzentas, organizadas numa estrutura nova, fragmentária, cuja forma literária tenta reproduzir o desenvolvimento do protagonista. A primeira página é genial, com as primeiras memórias de um nenê. Já teve duas traduções aqui. A terceira, excepcional, sai agora em junho, adivinhe, também pela Hedra.

16. E agora é que são elas…?
– Isso. Depois disso tudo, em 1922, ele lança o Ulysses. O romance mais abrangente, variado, pretensioso, corajoso, lindo, tosco, múltiplo, canoro, engraçado e tocante do mundo. Todo mundo sabe disso. Três traduções no Brasil e uma em Portugal, que deve ver uma quinta ainda esse ano.

17. Fala mais desse livro, sô.
– Não dá. É daqueles casos em que você diz. Vá. Leia. Faça-se este favor. 🙂

18. E ele parou aí?
– Nada. Ele tinha 40 anos quando publicou o Ulysses. E ia passar os próximos 17 escrevendo aquele que ou é o maior de todos os romances ou nem é mais um romance. Ele nunca se interessou por repetição. A grande prosa realista de Dublinenses morre ali. O sistema do Retrato gera o do Ulysses, que é uma versão muito mais sofisticada, no entanto. Ele tinha que fazer alguma coisa diferente. E essa “coisa” foi o Finnegans Wake (que aqui saiu como Finnícius Revém), um livro estranhíssimo, a obra de arte total.

19. Melhor que o Ulysses?
– Como diria o Bloom, aquele, o Harold. Provavelmente sim. Mas ao mesmo tempo ele provavelmente há de continuar ilegível, dado o seu grau de dificuldade. Provavelmente é a maior obra literária do mundo. Mas é difícil num grau difícil de explicar.

20. É leitura pra uma vida…
– É um cara que dedicou a vida toda a isso, e que teria dito que seu leitor ideal era alguém com uma insônia ideal. É. É leitura pra uma vida.

E que vida.

professor de linguística e tradução no curso de Letras da Universidade Federal do Paraná e é responsável pela nova tradução da obra Ulysses, de James Joyce, lançado em 2012 pela Penguin-Companhia das Letras. Nesse artigo, CWG faz um apanhado geral sobre o autor irlandês, da sua magnum opus aos textos deixados sem edição, e fala sobre a sua importância na literatura mundial.