A Shoah -o nome que os judeus dão para o Holocausto- foi uma experiência de violência inacreditável, evocando horrores até então impensáveis. O choque foi tão grande que levou o filósofo alemão Theodor Adorno a declarar pemas a respeito como barbáricos. Não foi o único, ele apenas ecoava a opinião de muitos de seus contemporâneos, que consideravam a natureza da poesia oposta à natureza do holocausto: toda poesia seria demasiado agradável ou demasiado formal para expressar o que significou esse momento da história, violando assim a incoerência inata ao fato.

Mais tarde, porém, o próprio Adorno voltou atrás dizendo que ‘o sofrimento perene tem tanto direito de expressão quanto o homem torturado tem de gritar’. Certamente os gritos ouvem-se até hoje: três ou quatro gerações depois da desumanização promovida pelo regime hitlerista- primariamente contra judeus, é certo, mas não se pode esquecer os ciganos, Testemunhas de Jeová, homossexuais, comunistas, poloneses e soviéticos- ainda se pensa, lê e escreve sobre o Holocausto.

“As terríveis experiências que me trouxeram ao limite entra a vida e a morte foram minhas professoras. Se eu não pudesse escrever, talvez eu não tivesse sobrevivido… Minhas metáforas são minhas feridas.” Isso é foi dito pela poeta judia-alemã Nelly Sachs, em seu discurso ao receber o prêmio Nobel de Literatura.

Apesar de nunca ter chegado a pisar em um campo de concentração (ela foi salva por Selma Lagerlöff, que conseguiu que a rainha da Suécia levasse Sachs para Estocolmo) o terror com o qual conviveu foi demasiado: ao receber a notícia de que o poder estava na mão dos nazistas, ela ficou muda. E mesmo depois da guerra ela ainda sofria: com a morte de sua mãe Nelly caiu em um estado de depressão profunda, em que sofreu de alucinações e delírios paranóicos, em que os soldados alemães ainda a perseguiam.

Muitos outros escritores sofreram de modo parecido, ou ainda pior- afinal muitos chegaram a ir para os campos de concentração, e muitos desses não conseguiram sair. Avraham Sutzkever, Primo Levi, Paul Celan são apenas alguns dos mais conhecidos.

Mas acredito que dois autores mereçam atenção especial, pelo modo que encaram a experiência em suas obras: o judeu-húngaro Imre Kertész e o polonês Tadeusz Borowski. Ambos estiveram em campos de concentração e sobreviveram. Nenhum dos dois, no entanto, jamais abandonou Auschwitz.

O essencial para que isso tenha acontecido foi o fato de, acima de tudo, não carregarem a dor como elemento principal em suas lembranças.

Em ‘Sem Destino’ Kertész descreveu, de forma mais ou menos autobiográfica, a vivência de um adolescente judeu em um campo de concentração. Apesar de toda a dor e de ter sido reduzido a uma condição sub-humana, ele cita a felicidade que existia em Auschwitz. Ele parece mais perturbado por ter sobrevivido do que por ter sido torturado como foi- talvez a grande questão seja se vale a pena viver em um mundo que permitiu tal atrocidade.

Borowski igualmente sente-se culpado por ter resistido. A felicidade do campo aparece- de um modo que parece mais falso do que a de Kertész, mas é também uma felicidade mais viva, mais física. Mas ao mesmo tempo ele sente-se como um cúmplice dos nazistas, pois ele confessa que todo sobrevivente de Auschwitz somente o é porque outro morreu em seu lugar.

É claro que a influência do Holocausto no mundo é muito maior e não foram apenas aqueles escritores afetados diretamente que levaram isso para sua escrita. Mas falarei sobre isso na segunda parte.

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